Mulheres nos Podcasts: A serenidade no áudio de quem veio para ficar
- Por Cecília Eduardo, João Victor Marques
- 24 de nov. de 2016
- 5 min de leitura
''Não acho que a questão seja depois que sentamos na mesa; a questão é que a gente não senta na mesa. Não estamos fazendo conteúdo o suficiente''
Juliana Wallauer, mulher, mãe e uma das editoras-chefe do Podcast Mamilos
O jornalismo em áudio na Internet não é mais o mesmo que o de dois anos atrás. A ascensão de podcasts e programas de áudios tem inovado o mercado jornalístico online e vêm cativando novos e antigos ouvintes que buscam conteúdos de qualidade. Segundo uma pesquisa feita pela Pew Research, de 2015, sobre as novidades midiáticas dos Estados Unidos, mostra que a porcentagem de americanos que ouvem podcasts passou de 9%, em Julho de 2008, para 17%, em Janeiro de 2015.
O avanço dos podcasts pode ser explicado a partir das inovações tecnológicas nas quais estamos inseridos. O demasiado interesse por celulares e aparelhos dispositivos acarreta em usuários que buscam conteúdos de qualidade, em plataformas eficientes, com informações corretas e ágeis. Nesse momento, os podcasts entram em ação como uma boa alternativa de mídia, em detrimento à outras, especialmente rádios AM e FM, devido a maior conectividade em carros, por exemplo.
E no Brasil? Como é a realidade dos podcasts? Existem dados concretos?
No país, cresceu substancialmente o interesse e o consumo de podcast por parte dos usuários. Tal afirmação torna-se nítida ao revelar a grande audiência, a produção de alta qualidade e a fama no mundo digital de “podcasters” dos principais programas do país, como Nerdcast e outros. Mesmo sem dados concretos acerca das relações entre este novo meio de comunicação e os meios mais antigos, uma pesquisa realizada pela PodPesquisa, de 2014, traçou um panorama geral sobre perfil dos ouvintes, como idade e sexo; interesses; localização; etc.
Em relação ao sexo dos ouvintes, a pesquisa citada revelou que somente 13% dos internautas são do sexo feminino, em contraponto, com 87% do sexo masculino, no ano de 2014. Já outra pesquisa, realizada em 2016, pela Agência Prótons, primeira empresa focada na venda de publicidade em podcasts, revelou que o perfil dos ouvintes entre os sexos continua discrepante: 31% dos ouvintes são mulheres apenas.
Afinal, por que essa diferença de gênero entre os ouvintes? Existe algo que explique o motivo de homens consumirem mais podcasts? Segundo a pesquisa do Ibope Inteligência de 2014, cerca de 53% dos usuários da internet são mulheres, o que revela uma contradição digital: Embora elas sejam maioria, isso não reflete da mesma maneira nos podcasts.
Barreiras
“Existe um vídeo na internet que um garoto diz que mamilos são polêmicos. E, nós achamos que um programa que fosse falar de polêmica e era produzido por duas mulheres, fazia sentido levar o nome de Mamilos”. Foi assim que Juliana Wallauer, casada, mãe de dois filhos e atuante no mercado publicitário, abordou o fato dela e sua parceira, Cris Bartis, produzirem um dos podcasts mais ouvidos da web, justificando a escolha do nome do programa. Divulgado pelo B9, portal sobre tecnologias, o podcast Mamilos conta hoje com uma audiência e um engajamento grandioso na internet. As meninas possuem recordes de 70 mil visualizações nos que obtiveram mais sucesso.
Embora o Mamilos não seja totalmente feito por colaboradoras, o fato de duas mulheres ocuparem o cargo máximo leva um olhar diferente, sob um oceano de conteúdos semelhantes produzidos atualmente. “Há um recorte de gênero nisso. Tem questões que nos chamam atenção que passariam despercebidos pela visão masculina”, completou a podcaster. Mesmo com essa perspectiva positiva acerca de mulheres produzirem na internet, isso não se faz presente no mundo digital. Para Ju Wallauer, muito além de discutir se existe alguma diferença entre produções masculinas ou femininas, é interessante ressaltar que deve-se criar uma estratégia para que as mulheres não fiquem presas em comunicações nichadas. Não se deve esperar assuntos de mulheres somente para mulheres. Feminismo e Aborto, apenas. Elas podem falar de assuntos do cotidiano, do dia-a-dia, saúde, tecnologia, entre outros.
“Quando abrimos os horizontes e falamos com pessoas completamente diferentes de nós, quanto a sexo, idade, gênero, etc, conquistamos respeito, confiança e audiência para, aí sim, trazermos pautas relevantes na nossa visão e fazer a diferença”
Juliana Wallauer, podcaster
Ela acredita, ainda, que o consumo de podcasts é menor no universo feminino por conta de uma barreira tecnológica, em relação à tecnologia e aplicativos, e de uma barreira de conteúdo, devido a visão masculinizada, entregue pelos produtores de conteúdo, que em sua maioria são homens. “As mulheres que consomem podcasts, por vezes, se desencantam com o conteúdo que é oferecido, que pode ser bom mas, muitas vezes, apresentam um olhar machista sobre os fatos”, afirmou a publicitária.
Em contrapartida, Maira Moraes - do podcast Papo de Gordo - acredita que não há barreiras para as mulheres no ambiente digital. Para ela, existe um preconceito que não se restringe apenas ao público, já que se faz presente, de forma prejudicial, nas próprias mulheres. Maira é jornalista e faz parte de um podcast em que o elenco fixo é quase todo masculino. Acostumada a conviver em grupos de homens, ela acredita que existem vantagens em ter esse espaço de fala para expor uma visão feminina sobre temas masculinizados. ''A partir do momento em que tivermos voz, teremos pessoas para consumir'', completou.
“É perceptível uma falta de interesse por parte delas em produzir conteúdos que fujam dos estereótipos do universo feminino. Elas, normalmente, querem ser blogueiras de moda, gastronomia ou youtubers. É difícil encontrar mulheres na internet que abordam outros assuntos que não façam parte desse universo”, afirma Maira.
''A vida não se restringe apenas a temas específicos dos mundos masculino e feminino. Nem tudo é futebol ou maquiagem''
Maira Moraes, podcaster
Como a demanda para questões como lifestyle cresce significativamente na internet, percebe-se um certo medo para abordar temáticas variadas ou polêmicas que não necessariamente fazem parte desse universo, completa Adriana Sanchez. Advogada, participante de programas de áudio desde 2008 e, atualmente, integrante do podcast Pauta Livre News, a entrada de Adriana nesse ambiente deu-se, a priori, pelo seu timbre diferenciado. Dona de uma voz chamativa e dita como ‘sexy’, ela conta que, por vezes, sua voz é colocada como prioridade. Com o passar do tempo, se sentiu incomodada com o assédio sofrido por causa de sua voz e atributos físicos, quando - na realidade - ao principal não era dada a devida importância: o conteúdo oferecido por ela.
''Alguns ouvintes, às vezes, fazem comentários do tipo 'gostosa', depois de ouvir um programa que me esforcei e estudei para que ficasse bom, além da tentativa de alguns ouvintes entrarem em contato, invadindo o meu espaço. Já para os meninos, os comentários referidos eram em tom de zoação. Queria o tratamento igual ao deles''
Adriana Sanchez, podcaster.
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